A catarata
Um dia decidi fazer um passeio de jangada. Uma jangada de madeira de carvalho, forte e resistente como nenhuma outra, com nós de marinheiro perfeitos que ligavam todos os elementos daquela estrutura. Senti-me seguro para navegar nela. Nem sequer olhei para isso como sendo uma aventura. Não havia riscos...foi construída de forma perfeita e nenhuma tempestade a iria fazer tombar. Aliás, se o céu começasse a ficar escuro, teria tempo para a trazer comigo para a margem...nunca haveria problema nenhum. Comecei a descer o rio nela... distraí-me a olhar para a natureza em redor. Era tudo tão como eu imaginava... Nuvens brancas num céu azul, a corrente lenta e calma, as folhas das árvores que dançavam na ligeira brisa do vento...Nada fazia prever aquele relâmpago que surgiu do meio do nada e me atirou disparado para a corrente, que se tornou feroz e me empurrou para o fundo. A jangada que eu julgava tão forte, ficou feita em pedaços. Engoli litros de água, lutei para vir à superfície e consegui segurar-me a um tronco da jangada que passou rente a mim. Segurei-me a ele com todas as minhas forças que restaram. Sabia que não tinha força de braços suficiente para nadar até à margem. A corrente era loucamente forte. Parecia que estava irada comigo. Pelos vistos não sou assim tão bom a fazer nós de marinheiro como pensava... pelos vistos fi-los mal feitos, quando pensava que os tinha feito perfeitos...Gostava de ter estado mais atento em vez de me ter distraído com a calma paisagem que me rodeava e me iludiu... Se tivesse visto que as amarras não estavam assim tão boas, tinha-as apertado tanto, mas tanto... Se as amarras falassem, tinham-me alertado... mas não falaram... O tempo passa e no entanto o cenário mantém-se... As nuvens que eram brancas mantêm-se agora negras, a corrente calma mantém-se agora bruta, a antiga suave brisa continua agora um tornado que tomba as árvores nas margens...e eu agarro-me ao tronco que me mantém à tona...Se não fosse ele, tinha morrido afogado...nunca o poderia largar agora. Às vezes penso em concentrar-me em ganhar forças para largar o tronco e tentar chegar à margem...Quando isso acontece, parece que a corrente acelera e não me deixa tentar. Tenho medo de ficar pelo caminho e de ser levado para baixo e me afogar...aí não haverá mais nada que me possa salvar...Fui esperando, esperando, esperando...Esta tempestade haveria de parar um dia...mas não...não pára. Coloquei-me nas mãos do destino, sendo que não reconheço em mim mais coragem...estou esgotado... Ouço um barulho ao fundo...água a cair! O pânico invade-me... algo me diz que é uma catarata... Agarro-me ao tronco, sabendo no entanto que deixou de ser a minha salvação. De nada ele me vai valer, quando chegar à catarata... vou perder o tronco sem nunca ter conseguido reunir a força e coragem que tinham sido precisas para ter chegado até à margem para voltar a ter descanso que um dia já tive e tanto valorizei... Respiro fundo... Agradecerei ao tronco na hora da minha queda e fecharei os olhos enquanto nos últimos instantes antes de me afogar, imaginar-me-ei de novo naqueles campos verdejantes, deitado e calmo como se nada tivesse acontecido, num momento que imaginarei infinito de paz dentro de mim. Apenas assim posso manter a luz acessa ao fundo...Poderei não vir mais à tona, mas escolheo não me agarrar a mais nenhum tronco...Ou tenho forças para me salvar sozinho, ou não tenho forças e deixo-me afundar, mas sozinho...apenas com os meus medos...

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